Fotógrafo, poeta e cronista.
A POESIA COMO COMUNICAÇÃO
O pouco que sabemos sobre poesia, temos aprendido nos poemas, mesmo, analisando esteticamente os poemas e mesmo tentando entendê-los.
Cada época tem seu conjunto de instrumentos expressivos. Existe um não sei quê “no poema pelo qual o poema é poema e não outra coisa”. Esse não sei quê está explícito na palavra e em outros determinados recursos. Vamos tentar elucidar o significado dos procedimentos da poesia para obter a explicação dela. A pergunta inicial é: Como se produz a poesia? A poesia é antes de tudo comunicação estabelecida com meras palavras, de um conteúdo psíquico, sensóreo-afetivo-conceitual. O poeta ao expressar-se transmite uma mescla de conceitos de sensorialidade e de sentimentalidade. Isso, acompanhado por uma sensação de prazer que se produz durante a criação do poema e que vai emigrar para os leitores do poema. Aldous Huxley disse que a poesia é escrita por seres que sentem prazer e sofrem e não por seres dotados exclusivamente de sensações. (Ensaio, Temas e Assuntos poéticos) Sempre é o sensorial que cobra o papel decisivo. Um poeta é diferente do outro assim como um poema é diferente do outro porque os conteúdos psíquicos são diferentes em cada caso, mas o estilo é verdadeiramente o elemento individualizador da expressão. Sem dúvida existem poemas do passado, que em seu tempo gozaram de muito prestígio e que hoje contemplamos como coisas sem valor estético que pouco ou nada nos dizem. Entretanto, existe nesses poemas beleza que percebemos do ponto de vista de nosso espírito contemporâneo. Assim, designamos com o nome de ato lírico a transmissão puramente verbal de uma complexa realidade anímica (união do conceitual, do afetivo e do sensorial), previamente reconhecida pelo espírito, como que formando uma síntese, a qual se junta uma certa dose de prazer. A poesia, em sua primeira etapa, é um ato de comunicação, através do qual esse conhecimento se manifesta aos demais homens. O conteúdo psíquico está em constante mutação. É movediço e fluente, ainda que nossa experiência da realidade interior pretenda insinuar o contrário. Trata-se de uma ilusão de nossos sentidos. O poeta não pode converter em repouso o que é movimento. Sua obra deve refletir essa mobilidade em que sua alma consiste. O poema em seu desenvolvimento não pode transmitir algo fixo ou inalterável, mas sim o impressionante e complexo conteúdo da alma. Misteriosamente são as palavras do poema que originam essa fluência. Poderíamos aplicar à poesia aquela afirmação de Delacroix, referindo-se a linguagem: Na medida em que construímos os signos, descobrimos e ordenamos as coisas. Essa é a lei secreta da fala e a mais secreta do fenômeno poético. O poeta, quando ainda não alcançou essa maestria, ou aquele estágio que só a experiência literária concede, pretende escrever só o que de um modo prévio se propõe como meta de criação. Não sabe ainda que um poema, em seu tecido derradeiro, é algo impossível, porque é a fluência psíquica que o determina. A obra é independente de quem a produz, é a realização em palavras, de um fluxo anímico e não de um estado de alma imóvel, que explica a possível presença de toda classe de aparentes contradições dentro da mesma composição. Por isso um poema pode manifestar ira, ternura, ódio e amorosa piedade, quando cada um de tais sentimentos tenha por objetivo o mesmo ser. Todos os sentimentos contrários são possíveis na alma humana.
A poesia é um grau de expressividade lingüística. Aonde lemos poesia, entendamos comunicação. Na poesia as intenções são mais vastas e complexas que na linguagem habitual. O ato verdadeiramente estético é a expressão interior, ou a intuição, a contemplação que o espírito realiza sobre a massa informe das sensações e das impressões. A arte é apenas uma forma interior que ao se exteriorizar em forma de palavras, manifesta apenas a parte conceitual e não a afetiva, ou sensorial, da representação interior. (Dámaso Alonso – Poesia Espanhola – Ed. Gredos, Madri, 1950).
O sentimento de ternura que sinto agora é único. Ele jamais voltará a se repetir. É um sentimento que não tive antes e nunca mais voltarei a ter. É um ponto no tempo, agora, e um ponto no espaço, em mim, que logo se apagará para não mais retornar. O fazer poético consiste em modificar a língua. A função do poeta é transformar o significado dos signos ou as relações entre os signos da língua, porque essa modificação é condição necessária da poesia. A linguagem não comunica intenções, mas conceitos, a não ser em casos onomatopéicos quando nos induz a representações sensoriais (tic-tac, bumbum, praticumbum-prugurundum). Na mente de quem escuta se produz sempre uma intuição, que não será a mesma de quem fala, então, não haverá comunicação. A língua falsifica a realidade psicológica, convertendo o indivíduo em gênero, analisando o que é sintético, por isso não comunica a realidade. Por isso a língua não pode atingir status de poesia. A língua, por ser genérica e analítica, não traduz a unicidade da poesia. Para fazer da língua um instrumento lírico é preciso fazê-la sofrer uma transformação. Valendo-se de certos procedimentos o poeta a submete a uma série de trocas, ainda que às vezes os procedimentos se dissimulem e pareçam não existir. A linguagem direta, normalmente, quer dizer ausência de poesia. Por isso o emprego de imagens metafóricas para fugir do genérico.
Sylvio Adalberto